As transformações observadas nos últimos vinte anos no mercado cafeeiro para diferenciar o produto com base em parâmetros de qualidade atendem a novos valores associados ao consumo. Mais do que uma estratégia de concorrência para agregar valor, a diferenciação de cafés reorganiza as relações sociais em todo sistema produtivo, desde a produção e o comércio dos grãos até a torrefação e a distribuição para os consumidores, por meio de ações cooperativas que viabilizam a coexistência das novas formas de organização com os mercados tradicionais. A qualidade do café pode assumir uma ampla gama de conceitos, sendo os mais tradicionais relacionados a fatores como clima, solo, altitude, sistema de produção e beneficiamento. Os novos parâmetros dos cafés diferenciados, chamados de especiais, apresentam tanto dimensões materiais - que incorporam atributos de natureza física e sensorial, e geralmente se traduzem em qualidade superior da bebida – quanto dimensões simbólicas, relacionadas a uma nova ética associada a características ambientais e sociais da produção, como no caso dos cafés orgânicos, sombreados e do comércio solidário, definidos como cafés sustentáveis. Tendo em vista a forte associação entre a qualidade dos cafés e a dos vinhos, esta pesquisa investiga a organização social do mercado de cafés sustentáveis, para responder porque, em meio a uma proliferação de selos de qualidade, os mecanismos de certificação sustentável de café se estruturam de tal modo que não consideram a origem dos plantios. O eixo temático está nos processos de padronização e de certificação de qualidade. Estes novos mercados vêm sendo construídos para expressar novas relações de poder no segmento de cafés especiais, e transformam o mercado com atores anônimos em mercados onde eles têm identidades. A valorização material e simbólica de parâmetros ambientais e sociais da produção e comércio é capaz de formar redes de cooperação que funcionam dentro de uma lógica distinta da estrutura vigente, e proporciona maiores ganhos a atores sociais que estavam em alguma desvantagem no mercado de commodities por não terem a qualidade e identidade de seus produtos devidamente recompensada e reconhecida. Estudos desta natureza exigem uma análise que inclua a sociologia dos mercados para avaliar o emaranhado de relações sociais na vida econômica. A abordagem teórica da sociologia econômica fornece elementos para avaliar o processo de construção social dos mercados, especialmente os novos, por meio de quatro pilares que lhes dão sustentação: os direitos de propriedade, as estruturas de governança, as regras de troca e as concepções de controle. O enfoque político-cultural enfatiza a perspectiva histórica dos mercados para compreender o papel dos grupos dominantes e desafiantes em arenas de ação, considerando a participação de atores sociais como governos, firmas e consumidores, entre outros, e seus incentivos para ações cooperativas a partir dos laços cognitivos que os unem. O estudo empírico focalizou duas regiões geograficamente delimitadas, pioneiras no cultivo, comércio e certificação de cafés sustentáveis: a Serra de Baturité, no Ceará, onde se cultiva o café em sistema sombreado e os municípios de Machado e Poço Fundo situados no Sul de Minas, no estado de Minas Gerais, onde se encontram cafés orgânicos e do comércio solidário. Estes casos foram escolhidos pois, ao contrário de outras regiões produtoras de cafés especiais, os cafeicultores destas regiões mostram evidências informais de valorização da origem dos plantios e estão submetidos a um conjunto de regras e de controles específicos que os diferenciam como sustentáveis.
Over the last twenty years, the coffee market has been transformed by moves to differentiate products through the construction of quality standards that embrace new values associated with consumption. More than a value-adding competitive strategy, coffee differentiation reorganizes social relations across the production system, from grain production and trade to roasting and consumer distribution by means of cooperative actions that enable the coexistence of new organizational forms with traditional markets. Coffee quality is a function of a wide array of concepts, with those related to climate, soil, altitude, production systems and processing being the most traditional. The new parameters for differentiated coffees, called special or specialty, present not only material dimensions - incorporating physical and sensory attributes generally translated into a superior kind of beverage - but also symbolic dimensions, concerning a new ethic which is allied to social and environmental production characteristics, such as the case with organic, shade-grown and fair-trade coffees, defined as sustainable coffees. Taking into account the strong association between quality of coffee and quality of wine, this research investigates the social organization of the sustainable coffee market in order to answer the question of why, amidst a profusion of quality seals, the mechanisms for certifying sustainable coffee are structured so as not to consider the origin of the crops. This work focuses on the quality standardization and certification processes as its pivotal theme. These refer to emerging markets being built to express new power relations in the segment of specialty coffees that transform markets populated with anonymous agents into markets where these agents have identities. The material and symbolic valuation of social and environmental parameters of production and trade not only form cooperative networks operating on a logic different from that currently in force, but also provide higher gains to social actors who were disadvantaged in the commodities market for not having the quality and identity of their products duly rewarded and recognized. Studies of this nature require an analysis that includes the sociology of markets in order to assess the mesh of social relations within economic life. The theoretical approach of economic sociology, which provides elements to evaluate the process of, particularly new, social market construction, is dependent upon four essential factors: property rights, governance structures, rules of exchange and conceptions of control. The political-cultural approach emphasizes the historic perspective of the markets to understand the role of dominant groups and challengers in action arenas and considers the participation of social actors like governments, firms and consumers, among others, and their incentives for cooperative actions based on the cognitive ties that bind them. The empiric study focused on two geographically-delimited regions which pioneered the cultivation, trade and certification of sustainable coffees: the Baturité Mountain Range in the state of Ceará where shade-grown coffee is cultivated and the municipalities of Machado and Poço Fundo, located in southern Minas Gerais state, where organic and fair trade coffees are found. These cases were chosen because, unlike other locales producing specialty coffee, these are regions where coffee growers display informal evidence of adding value to the origin of the coffee crop, submitting as they must to a set of specific rules and controls that differentiates them as sustainable.